domingo, 13 de janeiro de 2013

João Guilherme Estrella


Esse email foi escrito para o João Estrella. Para todos aqueles que se interessam pela clínica.



Ei João, tudo bem sim. 
Eu fui passar 2 meses em uma clinica pra me cuidar de um distúrbio alimentar, bulimia, quase ninguém soube disso, só minha família, eu estava muito mal. E lá só tem 50 internos. Todos misturados. Dependentes químicos, alcoólicos, eu, TA, e foi uma das melhores coisas que já fiz na vida. Apesar das regras de não poder ter "amigos", coisas que você deve saber bem, acho que foi o lugar que conheci as pessoas mais bacanas da vida. Tem alguns que estão aqui com seus Iphones escondidos lá dentro. E eu fiquei muito amiga dos DQ's. Assistimos a seu filme varias vezes, mesmo eu não sendo usuária os psiquiatras me deixava participar dos grupos e trabalhos sobre sua vida depois. Fica tranquilo que nem falei que você estava no meu face não, mas falei demais o que sempre te disse, de como acho você gigante e como me emociona sua história e coragem em assumir tudo e passar tudo que passou.

Você deve conhecer a clinica. tem todo tipo de dependente. Desde o pequeno usuário até traficante, mas pelo fato de ser difícil entrar, todos que conheci estão sérios no tratamento e nesse fim de ano são auto internantes fugindo das festas e carnaval por amor a vida e a família querendo mesmo sucesso no tratamento e a maioria se espelham demais em você, te admira, querem saber de você... Eu disse que você  estava na musica, chamei uma psiquiatra no canto e disse a ela que você  dava palestras, que você é  um cara muito bacana, que deviam  te levar pra lá, ela ficou super empolgada. Disse que tinha notícias suas, sabia que você  estava no Rio trabalhando com música e que ia levar isso pra reunião de equipe, pois é um exemplo pra eles.
Eu fiquei conhecendo demais isso, porque com distúrbio alimentar só tinha eu e só  uma outra, então a gente acabava fazendo as atividades com dependentes químicos. E olha, pode parecer estranho, mas não tem nem uma semana que cheguei, preferi não falar pra ninguém, só pra família, mas tô me sentindo um ratinho de laboratório que soltam na selva, ligo lá todo dia!! Assisto aos filmes, A Nosso Lar · e ao novo do Lima Duarte, que conheci lá. "E a vida continua" pra matar saudade. Parece que a gente esta em outro planeta e quando volta pra esse tudo fica diferente. 
Mas bola pra frente porque a vida continua e o importante foi que me curei! E espero que você vá até lá contar sua historia, você  nem imagina como é querido e admirado! 
Beijo


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Caso Clínico


Nascidas na mesma cidade, mães de Pedro, ambos com 3 anos de idade, fruto de um relacionamento curto, mas não menos rico em experiências de vida. A primeira moradora de Botafogo, Silvia, e a segunda de Manguinhos, Mônica, e em ambos o trabalho as tem fatigado o suficiente para fazer das noites diárias um momento de descanso. Mas ainda há a jornada após o trabalho ligada à aquisição de alimentos para suprir as próprias necessidades e de seus filhos, a essa altura, sedentos em criatividade, histórias e percepções vividas no dia. Silvia chega mais cedo em casa, às 18 horas, tempo em que consegue liberar Mônica, iniciando sua longa jornada rumo a Manguinhos, em um metrô e um trem abarrotados, situação já quase naturalizada por Mônica. Antes de chegar em casa, na padaria adquire alguns pães para o lanche de Pedro, durante a tarde na casa de Genilda, a vizinha da frente. São 20 horas da noite, momento em que tanto Mônica como seu filho estão cansados, restando alguns esboços de fala deste, expressando sua vontade e necessidade de troca. Neste dia não foi possível, mas Mônica na semana passada havia presenteado Pedro com um boneco sonoro. Silvia, pelo contrário, conseguira o brinquedo que Pedro pedira no dia anterior, um carro eletrônico de controle remoto. Foram alguns minutos até o fastio, Pedro gostava mesmo de ter suas aspirações e fantasias compartilhadas com Mônica, a esta altura fazendo com que seu filho pudesse dormir para mais um dia de labuta na Zona Sul. Pedro de Silvia, com saudade de Mônica, e Pedro de Mônica com saudades diluídas, pois a presença de Genilda era instável e pouco interativa. Em ambos a presença da coisa, do objeto, da mercadoria é o interposto numa estratégia conhecida por mecanismos de compensação. Às 22 horas a audiência natural é a do Big Brother Brasil, e Mônica e Silvia realizam anestesiadamente seus cansaços concentrando-se nas imagens fascinantes do Reality Show, talvez imaginando-se participando do jogo. No dia, Sandy e Junior convocam os participantes a pular, pular, pular, ao inverso da monotonia e da contemplação sugerida por Dorival nos seus anos de composição. Suas atenções, no entanto, intercalam momentos de dispersão. Momentos em que se mentaliza um desejo para que o próximo dia seja menos opressivo e que seja possível o provimento material adequado aos seus filhos, e a si próprias, visto que outras necessidades estão por vir.  

Publicado em 7/01/2013
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